A estratégia dos estabelecimentos para conquistar clientes com músicas e playlists personalizadas

A experiência de entrar em uma loja e ouvir uma música que te agrada não é mera coincidência. Como revelou uma recente matéria do Jornal O Globo, o varejo tem apostado fortemente em curadoria musical e playlists personalizadas para atrair e reter clientes, em um esforço para se diferenciar do crescente mercado de e-commerce e renovar a vivência no ponto de venda físico.

Empresas como a 2id, uma agência de music branding, têm desempenhado um papel crucial nesse cenário. Atendendo mais de 80 marcas em mais de dez mil pontos de venda, a 2id desenvolve trilhas sonoras que refletem o DNA das marcas. Esse trabalho envolve uma análise detalhada, incluindo entrevistas com funcionários, visitas às lojas, reuniões com equipes de marketing e até imersões no cotidiano das varejistas. O objetivo é criar uma conexão emocional entre a marca e o cliente através da música.

Danrley Calabrezi, CEO da 2id, explica que a criação de playlists não é um processo aleatório. “Para marcas como a Chilli Beans, que patrocina festivais de música e têm parcerias com artistas como o DJ Alok, utilizamos trilhas sonoras eletrônicas com volumes mais altos. Queremos que os clientes se sintam como se estivessem em um show enquanto experimentam os produtos”, comenta Calabrezi. Essa estratégia ajuda a definir a atmosfera da loja e a influenciar o comportamento do consumidor, aumentando a probabilidade de compra.

A escolha dos artistas

As playlists das lojas são cuidadosamente selecionadas para refletir a personalidade e os interesses do público-alvo. No caso da Chilli Beans, a trilha sonora eletrônica é um exemplo de como a música pode ser usada para criar uma identidade vibrante e enérgica. Outras marcas podem optar por gêneros diferentes, dependendo do seu público e do ambiente que desejam criar.

Benefícios das trilhas sonoras personalizadas

Estudos têm mostrado que a música pode afetar o humor e o comportamento dos consumidores. Uma trilha sonora bem escolhida pode:

• Aumentar o tempo de permanência na loja: clientes tendem a ficar mais tempo em ambientes onde se sentem confortáveis e entretidos.
• Influenciar o ritmo de compra: músicas mais rápidas podem acelerar o ritmo de compra, enquanto músicas mais lentas podem fazer com que os consumidores se movam mais devagar e, potencialmente, comprem mais.
• Fortalecer a identidade da marca: a música pode reforçar os valores e a imagem que a empresa deseja transmitir.

Cases de sucesso

Além da Chilli Beans, outras marcas têm adotado essa estratégia com sucesso. A Nike, por exemplo, utiliza playlists energéticas em suas lojas para refletir a força e a vitalidade associadas ao esporte. Já lojas de roupas como a Zara preferem músicas mais tranquilas e sofisticadas, alinhando-se com sua imagem de elegância e estilo.

No Starbucks, onde a decoração em tons terrosos e verde musgo visa proporcionar conforto e sofisticação, a escolha musical recai sobre o folk e o indie pop. Essa combinação cria uma atmosfera acolhedora e tranquila, ideal para os clientes desfrutarem de suas bebidas enquanto relaxam ou trabalham.

Já no restaurante japonês Gendai, a experiência é diferente. Com um ambiente moderno e descolado, as músicas pop nacional e internacional embala os indivíduos enquanto eles saboreiam sushis e outros pratos da culinária japonesa. Essa escolha reflete o estilo contemporâneo e vibrante do restaurante.

Danrley Calabrezi, CEO da 2id, destaca que a música pode ser usada estrategicamente para criar uma vivência positiva nas lojas e atrair um novo público. “Uma das estratégias para dialogar com o cliente é a familiaridade, que pode transportá-lo para um lado mais afetivo. Ele pode ouvir uma música e lembrar de um familiar ou de uma ocasião especial”, explica. 

Os artistas e músicas mais tocados nas lojas

Na Farm, uma marca conhecida por suas roupas coloridas e estampas florais, a música nacional é a prioridade. Diego Francisco, diretor de Marketing da Farm, afirma que a música é um pilar da identidade da marca: “Tem essa capacidade de reforçar o momento da marca e as mensagens que queremos passar nas coleções. Ao passar por uma loja da Farm, você sabe exatamente onde está. É um diferencial importante.”

Na Vivo, assessorada pela Tecla Music, a escolha musical varia de acordo com a situação. Quando a loja está mais vazia e precisa atrair clientes, a música animada com hits de Ivete Sangalo é a preferência. Em momentos de maior movimento, especialmente quando há muitos usuários com queixas, a trilha sonora fica mais calma, com MPB e artistas como Caetano Veloso e Djavan, criando um ambiente mais sereno e controlado.

A Tecla Music atende outras 70 marcas, incluindo Arezzo e Vans, além de restaurantes como Outback e Mamma Jamma. Eduardo Boorhem, executivo da Tecla Music, comenta que as plataformas de streaming também têm permitido que as empresas mantenham um contato direto com seus consumidores através de playlists próprias, fortalecendo o laço com os clientes além do momento de compra na loja.

A Importância da curadoria de músicas

Um exemplo curioso citado por Calabrezi ilustra a importância de uma curadoria musical adequada: um cliente entrou em uma loja de produtos para animais de estimação e, ao ouvir uma música cuja letra falava sobre matar passarinhos, fez um escarcéu. Esse incidente levou a rede a buscar a assessoria da 2id, que agora só toca música brasileira, privilegiando vozes femininas e instrumentais com cordas.

Para Ulysses Reis, professor de varejo na FGV, a música tem a capacidade de criar uma identidade de marca e melhorar significativamente a experiência do consumidor. “O comportamento do público mudou nos últimos anos, e a maioria das pessoas prefere comprar online. Agora, a loja tem que ser muito voltada para a experiência de compra, fazendo a pessoa se sentir bem e envolvida com a marca”, observa Reis.

A música ambiente é uma ferramenta poderosa no varejo moderno. Quando bem escolhida, pode transformar a jornada do consumidor, fortalecer a identidade da marca e criar uma conexão emocional duradoura com os clientes. As empresas que investem em playlists personalizadas estão não apenas criando um estabelecimento agradável, mas também se posicionando de forma estratégica no competitivo mercado atual.